domingo, 2 de dezembro de 2007

Duas vezes Porto Alegre


Porto Alegre ainda está muito viva dentro de mim. As lembranças recentes e a folha pautada em branco me atormentam. É uma eterna tempestade que se instala agora, um furor contínuo que me desperta e descansa. Contraste.
Contraste foi a minha primeira impressão da capital há exatos dois meses, quando voltei da minha primeira viagem. Um contraste estranhamente harmônico é claro, mas algo que me transcendeu o pensamento.
Prefiro evitar comparações entre a primeira viagem e esta que tentarei retratar por agora, mesmo que eu sinta não ter conseguido escrever sobre ela durante a viagem de volta. Porém, sei que certamente a segunda impressão haverá de chegar um dia.
Resumir é difícil. Fazer resenha é pior ainda. Narrar tornaria a história um tanto factível, todavia sem a devida análise de símbolo. Vou simplesmente contar o que guardei.

A gente gosta de pessoas, a gente gosta dos nossos bens materiais, a gente gosta de conversar. Eu gosto de conhecer, de viajar. Eu gosto de analisar Porto Alegre, a cidade que pelos contrastes gritantes me cativou o pensamento. Eu tinha vários motivos para voltar ainda este ano, só não havia dinheiro para tal investimento. Às vezes o acaso é meu amigo e, então, dessa vez ele me levou a Porto Alegre para participar do VIII Seminário Internacional sobre Agroecologia e IX Seminário Estadual sobre Agroecologia, a convite da Emater Regional. Era a perfeição que se concretizava: meu tema de estudo, meu empenho e meu lugar.
Saímos de Erechim por volta das duas horas do dia 19 de novembro último. Eu e mais quatro colegas da faculdade de Tecnologia em Meio Ambiente acompanhamos um grupo de funcionários da Emater. Fomos recolhendo gente pelo caminho, Getúlio, Coxilha e Passo Fundo e o ônibus foi lotando. Ouvi Renato Russo quase que por toda a viagem, além da gaita e violão do grupinho animado da frente do ônibus – note-se, não estavam no fundo e sim nas primeiras poltronas!
Chegamos em Porto ao pôr do Sol no Guaíba. Via-se os rasgos vermelhos no horizonte do rio. Beirava às nove horas quando desembarcamos em frente ao Mosteiro de Capuchinhos, que nos acolheria como filhos pelos próximos três dias. Minhas colegas e eu estávamos exaustas, mas ainda jantamos antes de descobrir que havia sala de internet e quartos maravilhosos no lugar, além dos móveis de época e pátios enormes.

Acordamos às sete horas da manhã do dia seguinte, não absolutamente prontas para tudo que o dia nos traria, mas preparadas para a maratona de palestras no Teatro Dante Barone da Assembléia Legislativa de Porto Alegre.
Eu vi o céu azul de Porto Alegre. Eu via as casinhas simples, os monumentos das avenidas, os prédios de arquitetura moderna dividindo o espaço das ruas estreitas com “os das antigas”. Eu via diversidade de gente.
Era calor, mas o teatro tinha ar condicionado e luz baixa. O sono bateu na solenidade de abertura do evento. Tudo bem, a palestra inicial foi interessante, do ponto de vista de que não se deve ficar em cima do muro perante as questões ambientais, mesmo que as atitudes gerem polêmica.
Demorava-se cerca de trinta minutos de viagem entre a Assembléia e o mosteiro, mas ainda assim fazíamos quatro vezes por dia este trajeto. Achei dispendioso ambientalmente (mais carbono na atmosfera), mas vantajoso economicamente (sobrou dinheiro, pois não precisamos pagar para comer). E então, você escolheria qual alternativa? Mesmo que não acreditem, eu ficaria com a opção de almoçar lá por perto mesmo, mas se o fizesse, o faria sozinha.
Muito bem. Voltamos ao teatro atrasados por causa do almoço no mosteiro. A primeira meia palestra foi excelente. Não ficamos na segunda porque a palestrante era da Espanha e só ablava spañol. Não conseguimos compreendê-la e resolvemos sair mais cedo e passear um pouco.

Recordo “Duas vezes Porto Alegre” porque além de ser meu segundo texto sobre a cidade, senti que o deveria escrever em duas etapas. Logo na volta e agora, pois a gente sempre tem dúvidas...Se se deve continuar pelo mesmo caminho a passos largos ou parar, descansar, refletir e ensaiar uma nova continuidade. Eu escolhi pensar um pouco. Assim como nos dias em que estive em Porto pela segunda vez, eu escolhi pensar em meio a correria para ter certeza dos meus objetivos.

Naquela meia tarde que tínhamos antes de voltar ao mosteiro, atravessamos o shopping Rua da Praia e entramos na Rua da Praia p’ra ver o que havia de bom e barato por lá que Erechim não possuía. Cavouquei as lojas em busca do meu vestidinho roxo e não o encontrei. Optei então por acompanhar minhas colegas na aventura pelo consumismo contido delas, mas acabei não comprando nada. Perto das cinco, voltamos ao teatro Dante Barone, na Assembléia, para ouvir a última palestra, mas acabamos nos aboletando na praça do Três Poderes para esperar o pessoal da Emater e voltar ao mosteiro dos capuchinhos.
Mais meia hora de viagem e acabei por ouvir que os melhores perfumes ou as “melhores essências” estão nos menores frascos. Algumas respostas são inevitáveis na nossa vida, mas para cada escolha que fizemos devemos renunciar a outras.
Descrever o restante da viagem seria difícil em meio a imensidão de acontecimentos, mas transformar metáfora em eufemismo é extremamente simples quando aprendemos com nossas ações e descobrimos coisas sobre nós que nem imaginamos que fossem possíveis de existir dentro da gente.

Na quarta-feira eu também assisti palestras. Comprei um colar roxo, já que o meu vestido não existia; admirei as paisagens como se quisesse tirar fotos de cada uma delas; tirei fotos inesquecíveis e fiz parte da vida das minhas colegas como se fossemos irmãs. Dizem que os amigos são a família que nos permitiram escolher. Dizem, também, que os amores vêm e vão, como tardes de verão. Muitas pessoas são difíceis de serem retratadas justamente porque ficam de maneira única no coração da gente, mesmo que nunca mais voltemos a vê-las. No mosteiro teve festa na terça e na quarta de noite; tinha violão, gaita e quase 50 vozes embalando o fundo das conversas jovens no jardim da frente do mosteiro. Teve até internet que me serviu para quase nada. E eu só consegui sonhar de olhos abertos...

Na quinta-feira o clima era de alívio e tristeza. Estávamos voltando para casa, mas poderíamos ficar ali a vida toda que eu não me importaria. A gente não foi p’ra shopping e nem saiu p’ra balada. Assistimos a uma palestra inteira em spañol sobre a Pegada Ecológica e não dormimos! Demos risada até perder o fôlego e mandarem a gente ficar quieto. Estávamos mesmo a fim de fazer algo pelo mundo depois daqueles dias, e não desistimos! Embarcamos às dezessete horas rumo a Erechim. E se pode comparar essa volta com praticamente uma vida inteira. Teve sono, sonho, risada, festa, notícias ruins, notícias boas, humanidade, apoio, conversa, silêncio, jantar, ironias, piadas, histórias de vida, planos para o seminário do ano que vem, harmonia e esperança. Praticamente tudo que é fundamental para se viver consciente e com a alegria de saber acreditar no futuro, o no futuro melhor para todos que passarem pelo mesmo caminho que agora percorremos.

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